No cenário atual das organizações, a psicodinâmica do trabalho emerge como uma proposta inovadora que expande os limites de sua versão anterior, a psicopatologia tradicional. Enquanto a psicopatologia do trabalho se concentra na relação entre distúrbios mentais e os fatores do trabalho, utilizando uma lógica determinística de causa e efeito, ou seja, se o fator está presente então seria esperado a ocorrência de uma patologia, a psicodinâmica do trabalho, introduzida por Christophe Dejours, investiga como todos que trabalham conseguem manter sua saúde mental em situações altamente patogênicas. Portanto, este é o enigma da normalidade: Por que as pessoas não adoecem no trabalho mesmo em condições não saudáveis?
Este artigo visa oferecer uma visão abrangente e reflexiva sobre o enigma da normalidade: como as pessoas que trabalham conseguem não apenas sobreviver, mas também encontrar significado em atividades muitas vezes adversas e desafiadoras? A análise inclui uma visão que incorpora a relação de prazer e sofrimento no trabalho. Ao fazer isso, buscamos entender como as defesas psíquicas, tanto os mecanismos individuais quanto os coletivos, contribuem na sustentação da saúde mental das pessoas, bem como os desafios que as organizações enfrentam para criar ambientes que promovam o desenvolvimento pessoal e profissional, ou seja, que sejam saudáveis. É também um convite para que líderes e profissionais repensem suas práticas e criem ambientes mais saudáveis e significativos para todos.
O Enigma da Normalidade
O enigma da normalidade se refere ao paradoxo observado no campo da psicodinâmica do trabalho, em que muitos trabalhadores conseguem manter um estado mental aparentemente “equilibrado”, apesar de estarem submetidos a condições de trabalho potencialmente adoecedoras. Christophe Dejours se depara com a pergunta: como as pessoas não enlouquecem trabalhando em ambientes tão adversos? O termo "normalidade" aqui se torna enigmático porque, em situações que deveriam desestabilizar os indivíduos, muitos continuam operando de maneira aparentemente "normal". Isso leva à reflexão sobre as defesas psíquicas individuais e coletivas, e as ideologias defensivas de profissão, que permitem que as pessoas resistam às adversidades.
A psicodinâmica do trabalho, diferentemente da psicopatologia, não se limita a estudar o sofrimento, mas estuda também o prazer no trabalho, reconhecendo que o trabalho pode ser uma fonte de bem-estar. Dessa forma, a normalidade no contexto do trabalho é vista como uma conquista precária, fruto de uma luta contínua entre saúde e doença, moldada pela cultura e pelas relações interpessoais no ambiente de trabalho.
O Ambiente de Trabalho e a Saúde Mental
Para ilustrar, considere uma linha de montagem, com trabalhos com riscos iminentes à saúde, atividades monótonas e sem sentido, ou aquelas atividades que desafiam os princípios éticos dos trabalhadores. Em situações que, em princípio, poderiam levar à loucura, muitas pessoas continuam a operar aparentemente de forma "normal". Dejours explorou este fenômeno através do estudo das defesas psíquicas, tanto individuais quanto coletivas, e das ideologias defensivas de profissão.
Prazer e Sofrimento no Trabalho
Ao se propor a normalidade como objeto de estudo, a psicodinâmica do trabalho não se restringe ao sofrimento. Em vez disso, inclui o prazer no trabalho como um eixo central, estabelecendo uma relação dialética entre sofrimento e prazer como parte integrante da atividade de trabalho. Isso se reflete por meio da premissa da centralidade do trabalho na vida das pessoas. Ou seja, o trabalhar, enquanto ação humana, tem importância fundamental para o ser humano, sendo capaz de proporcionar tanto o melhor quanto o pior em termos de desenvolvimento humano, coletivo e profissional.
Normalidade como Conquista Cultural
A normalidade no contexto da psicodinâmica do trabalho é vista como um resultado precário de uma luta constante contra a doença e a favor da saúde. Não é um estado estático, mas uma conquista cultural e relacional, envolvendo a interação contínua com os outros e o mundo ao redor. O sofrimento, portanto, participa dessa normalidade, configurando uma "normalidade sofredora".
Defesas Psíquicas e Construção de Sentido
As pessoas não são passivas diante do sofrimento; elas utilizam defesas psíquicas individuais e coletivas para lidar com as adversidades. Essas defesas podem, paradoxalmente, favorecer processos de alienação ao anestesiar o sofrimento. No entanto, quando essas defesas falham, a doença emerge. A psicodinâmica do trabalho nos leva a compreender a saúde mental não apenas a partir do patológico, mas também do cotidiano das relações de trabalho.
Desafios para as Organizações
Compreender a normalidade e a saúde mental no trabalho envolve várias questões desafiadoras para as organizações. Por exemplo, a relação com regras não claras, a busca constante pela melhoria de desempenho a qualquer custo, e a forma como as lideranças são seguidas sem questionamentos. A normalidade pode mascarar sentimentos profundos, mantendo-os em um plano superficial prescritivo. Outro ponto crucial é a questão da exclusão nas organizações. Se o ser humano é diverso e cada um tem sua singularidade, buscar a uniformização plena das condutas e relações parece contraditório. A riqueza das organizações reside na diversidade e na capacidade de respeitar a individualidade e fomentar o trabalho colaborativo para um objetivo comum.
Construindo um Ambiente de Trabalho Saudável
O grande desafio para as organizações é criar um ambiente de trabalho que propicie o desenvolvimento pessoal e profissional. Isso inclui sistemas de avaliação que respeitem a diversidade e promovam o crescimento individual e coletivo. A psicodinâmica do trabalho nos lembra que o sofrimento faz parte da vida, mas o sentido que damos a ele pode transformar a experiência de trabalho em uma fonte de saúde e realização.
Conclusão
A psicodinâmica do trabalho nos oferece uma nova perspectiva para entender a relação entre saúde mental e trabalho. Ao incluir o prazer e reconhecer o papel do sofrimento, ela nos convida a repensar a normalidade como uma construção cultural e relacional. As organizações têm um papel crucial em criar ambientes que favoreçam o desenvolvimento humano, respeitando a diversidade e promovendo contextos tanto saudáveis quanto produtivos.O enigma da normalidade: Por que as pessoas não adoecem no trabalho?
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